segunda-feira, 18 de abril de 2011

E quando a gente desacredita? - Por Ariela Grubert



Comecei este texto já algumas vezes, e nenhuma consegui avançar pelo simples motivo que um final otimista me parecia impossível. Quis falar sobre políticas culturais, um tema que envolve e afeta diretamente não só quem trabalha com cultura, mas a quem ela é destinada também. Pesquisei mais a fundo sobre o que está acontecendo no Brasil no momento, e o que era para ser um texto simples já estava virando uma monografia, então tentei focar. No caso de Santa Catarina, por exemplo - que é onde eu vivo e tento (algumas vezes sem sucesso, mas nunca em vão) sobreviver de produção cultural; pode-se perceber que até hoje não houve uma continuidade mesmo no conceito de cultura de cada governo – que é a premissa para que as políticas culturais façam sentido e tenham efeito, que funcionem.  Uns a conceituam como algo inerente ao ser humano, desde seu comportamento e seus hábitos até a produção artística, como uma maneira de criar ou reforçar a identidade de uma população. Outros a vêem como instrumento para divulgar o Estado através de feiras e eventos. Por fim, outros não tem nem idéia do que vem a ser cultura e acabam juntando com turismo, esporte e lazer.
Em 1987, com o governo de Pedro Ivo/Maldaner, o conceito de cultura era antropológico, o que resulta num comportamento “democrático pluralista”. Ou seja: desenvolve políticas com uma orientação aberta às manifestações culturais mais variadas, baseadas “no princípio de que a cultura é uma força social de interesse coletivo que não pode ficar à mercê das disposições ocasionais do mercado [...]. Não privilegia modelos previamente determinados [...] e tem no Estado e em suas instituições culturais públicas e semipúblicas seus principais agentes.” (COELHO, 2004, p. 299). O Plano deste governo dividia o setor cultural em quatro eixos: Produção, Difusão, Consumo e Administração. A produção aparece como o fomentador do desenvolvimento de produtos culturais que exaltem a identidade cultural catarinense.
Já o governo de Kleinubing/Konder Reis (1991/1994) apresenta um conceito de cultura mais sociológico, incluindo a música, a literatura, as artes plásticas, o patrimônio histórico (museus, monumentos, edificações, sítios arqueológicos), as artes cênicas (teatro, circo, dança) e as artes  visuais (cinema, televisão, fotografia), e o Plano espelha-se em modelos internacionais, que vinculam a arte/cultura ao crescimento econômico, incentivando o turismo, a chegada de novas empresas e o tão especulado atualmente, mercado imobiliário. Exemplo: Oktoberfest.
Em 1995, na gestão Paulo Afonso/Hulse, o objetivo cultural é preservar, incentivar, valorizar e divulgar o que é produzido no Estado. Algumas ações deste governo: lançamento do projeto Cultura Viva (cultura em prol da cidadania e do desenvolvimento da qualidade de vida), editais que financiavam os setores da cultura, Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Porém, as artes mais consagradas parecem ter tido maior apoio do que as manifestações mais populares. No governo de Esperidião Amin (1999-2002) , continua o objetivo de preservar a identidade cultural catarinense, com o resgate de tradições e do folclore. Exemplo: Festa das Etnias, que, segundo o vice-governador Paulo Bauer, objetivava “contribuir para a afirmação da verdadeira `gente Catarina` que somos e seremos cada vez mais” (BAUER, 2000).
De 2002 até 2010, Santa Catarina foi governada por Luiz Henrique da Silveira, e quando você procura por “políticas culturais” dessa gestão, acaba ouvindo barulho de grilo ao fundo. LH falou de internacionalização da cultura catarinense, e isso para ele deve ter sido realizado com a chegada do Bolshoi em Joinville. Nessa gestão, houve a unificação de secretarias, criando a Secretaria de Turismo, Cultura, Esporte. Também foi nessa gestão que o CIC entrou em reforma - o que deveria ser uma fato positivo, afinal muitas exposições não vieram para o Estado por que o MASC estava repleto de goteiras, como bem retrata Ligia Gastaldi no texto “A novela do CIC”* . Além disso, ainda teve o vergonhoso atraso na entrega da verba destinada aos contemplados do edital Elizabeth Anderle, entre outros “casos de descaso” que envolvem não só o Governo do Estado, mas também a prefeitura de Florianópolis
 Pensando nisso tudo, o próximo passo é desacreditar num futuro promissor para quem vive de cultura? Calma, tem o outro lado, onde não se deve depender somente do Estado para viabilizar os projetos e é aí que eu começo a acreditar novamente. Acredito em iniciativas como o projeto Clube da Luta, como a Célula Cultural – que teve sua reinauguração na última sexta (15/4) e é um espaço pioneiro que deve ser valorizado porque também valoriza a produção local e tem estrutura para crescer ainda mais, sem depender de governo nenhum senão o de si próprio. Outras iniciativas que conseguem andar com as próprias pernas são a Galeria COR, na Lagoa da Conceição, a escola de música Rafael Bastos, a produtora Harmônica - que mesmo nos eventos corporativos que realiza, inclui bandas e artistas locais na programação. O Transitoriamente do Antônio Rossa, a Vinil Filmes  (assista “Matou o cinema e foi ao governador”), o Mago Realizações, a Insecta, entre outros tantos que andam de fato produzindo cultura mesmo que muitas vezes em condições adversas. São iniciativas como essas que movimentam o cenário artistico de nosso estado, e nos proporcionam reflexões críticas acerca de assuntos tão polêmicos como este. Comecei o texto com a preocupação de não haver a possibilidade de um final otimista, mas a verdade é que não existe um final, e sim diversos caminhos que podem ser explorados, incluindo ou não o poder público, usando principalmente o poder da iniciativa e persistência que levam os projetos culturais à sua realização.
Por Ariela Grubert |produtora cultural | amg produções
*http://harmonicaarte.blogspot.com/2011/04/novela-do-cic.html#links

8 comentários:

  1. Gostei Ariela! Quer dizer... na verdade, não. Mas a culpa não é nossa. E acusar qualquer um que seja, de fora dos círculos oficiais, de não fazer sua parte, é descabido. Parabéns pelo texto.

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  2. Mandou bem!
    Ótima leitura da nossa tosca realidade... Vida longa aos carudos produtores "des"governados.
    Quanto mais difícil é o desafio, mais saborosa é a conquista.

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  3. Esse é um problema nacional e cultural veja a redundância. 1 % do PIB e repassado à cultura e geralmente quem as governa é sempre alguém que sabe mais do que devia e “ganha” o cargo para calar a boca, enfeita com musicas exdruxulas nosso planalto varonil ou é o amigo do vizinho da mulher de algum ministro.
    Um Estado so vai pra frente se exaltar a cultura que o representa que nem sempre é constituida de um boi feito de mamão.
    Conte comigo para enfiar o dedo nessa ferida aberta e gangrenada pela politica dos "bem feitores" do boi de mamão.
    Dayani Thiesen

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  4. Gente, que bom receber os comentários de vocês. Acho que podemos movimentar fazendo na prática e discutindo sobre estas questões também.

    Como a Day falou, é mesmo um problema nacional e cultural. Historicamente em SC não houve continuidade no desenvolvimento das políticas culturais. Cada governo com o seu conceito de cultura e suas prioridades, a não ser pela preservação da identidade cultural dos catarinenses. O que não é errado, deve haver o fortalecimento da identidade do povo (o boi de mamão e a rendeira, né?) mas não se pode esquecer que existe e deve ser estimulada a diversidade cultural, e que todas estas manifestações constroem uma realidade também. As ações como a criação de leis de incentivo e fundos de cultura tem sua validade, e existem muitos projetos em circulação por causa deles, ainda assim deveria existir um planejamento que pensasse mais profundamente. Ações em conjunto com a Secretaria da Educação, projetos de incubadora (que vise não só estimular a produção, mas também fomentar e criar espaços para que o resultado do projeto seja visto). Estas ações com certeza ajudariam a melhorar na formação de uma cadeia produtiva que possa se sustentar e ter continuidade. Na formação de um público ainda mais presente e exigente quanto ao que é produzido e realizado por aqui. Acho que precisamos de um público que entenda também as referências que são exploradas.

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  5. Muito bom, srta. Grubert!
    É sempre no meio termo que achamos soluções; Não com o governo, não sem ele. Não sozinhos, não cheios de apoio. O importante é dar a cara a tapa tendo noção do que se faz, ficar atento e não se deixar abater. Seguimos fazendo, por amor e por acreditar no potencial cultural do nosso pequeno celeiro catarina. Né? Vamo que vamo!

    Léo T. Motta

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  6. Ari, parabéns pela contextualização!
    Nossas políticas só mudarão quando os governos colocarem na cabeça que pessoas vivem da cultura, precisam dela para criar seus filhos, comprar moradia, pagar remédio, alimento, escola, etc, que não é uma brincadeira, como muitos acham. De qualquer maneira, vamos à luta sozinhos mesmo, sem governo, sem os meios de comunicação, que também não nos ajudam. Somos independentes e devemos lutar desta forma. Uma formiga não carrega muita coisa, mas muitas carregam diversos pianos.

    abs
    André Guesser

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  7. Belíssimo texto Ariela!
    Eu lembro que uma tarde, quando saí para fazer uma reportagem sobre uma exposição no CIC, começou a chover muito e a gente lá filmando os quadros...quando derepente começou a chover muito dentro da galeria. Foi um auê...minha materia mudou de foco e os responsáveis tentando nos impedir de filmar. A sala climatizada (que era o charme para muitos do CIC) desaguando... um descaso. Infelizmente fiz uma bela materia de denuncia com flagrante absurdo!!! Isso é só um registro que mostra como nossa cultura é tratada...cabe a nós movimentar isso e fazer valer o direito de ter acesso a uma cultura de qualidade e exigir respeito aos nossos artistas!!

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  8. Ariela. Excelente texto! Uma perspectiva mais ampla e necessária sobre o tema. Parabéns. Rossa

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