segunda-feira, 23 de maio de 2011

Ronda Grupo - Por Zilá Muniz


Como é bom sair de casa...
Outro dia ouvi de alguém:
- Só sei começar quando termina
Como diretora do Ronda Grupo, foi assim que me senti ao retornar para casa no dia 1 de maio após 18 dias viajando, apresentando Socorro*, compartilhando os processos de trabalho do grupo, tanto nas conversas como nas oficinas práticas e vivendo junto com o Egon, a Karina, a Paula, o Vicente, o Heitor e a Florzinha a experiência de construção de mais um pedacinho da história do Ronda.
A viagem nos proporcionou vários momentos muito ricos, tanto na experiência pessoal como no contexto de trabalho artístico do grupo e que nos forneceu um retorno significativo. Alguns destes momentos aconteceram durante as conversas com o público logo após as apresentações e foi gratificante poder ouvir sobre como Socorro chega às pessoas.
 Inspirada por estas conversas e pelos depoimentos do publico em relação ao espetáculo e ao trabalho de corpo dos intérpretes, faço esta pequena reflexão para compartilhar algumas das questões que surgiram. Refletir e discorrer sobre o processo de criação de Socorro despertou a consciência sobre esta potencia de vitalidade que é criar. Vitalidade que nos deixa atentos, vivos a tudo que nos rodeia, nada fica de fora, tudo pode virar material de criação.
Em primeiro lugar, pensar e contar um pouquinho do processo de criação e seus procedimentos para responder às perguntas nos remeteu ao processo de montagem, lá em 2007/2008 quando depois de muito experimentar e pesquisar foi se definindo cada cena, cada sequencia e cada jogo. Portanto, este processo no fez refletir sobre nossas escolhas e até a nos confrontar com estas mesmas escolhas. Por vezes, reforça a intenção que trabalhamos desde o início, no sentido mais abrangente, de produzir cenicamente acontecimentos lúdicos em que a afetividade seja liberada. Noutras, de despertar um olhar sobre o que fazemos, ou como o fazemos.
Algumas destas questões interessam discutir aqui, a exemplo da maneira como trabalhamos com  “contraste” e também a apropriação da logica do sonho como fator determinante para a temporalidade ali apresentada. Socorro não trabalha com a narrativa linear, e sim com uma estrutura fragmentada, não existe o principio, o meio e o fim como tradicionalmente conhecemos. As cenas se entrelaçam, se complementam, o tempo que ali se instala é o tempo do sonho, onde não se reconhece um começo ou um fim, só se percebe que algo acontece quando já esta acontecendo. Neste sentido propomos uma temporalidade própria do acontecimento, alguns momentos isto causa ruídos de inquietação na plateia, de tal modo a afetar o espectador não só mentalmente como também corporalmente.
O acontecimento deixa explícito a processualidade que lhe é própria, assim a poesia cênica conduz o principio progressivo de encadeamento das cenas que tramam com o texto sentidos para cada momento, para cada estímulo, para cada jogo ou ainda para cada corpo. Quando pensamos em corpo, devemos também incluir o corpo do espectador que reponde as questões primeiras da criação de Socorro. O corpo boneco, o corpo humano, o corpo intérprete o corpo espectador, o corpo instrução, provocação. Socorro nos apresenta estados energéticos de estar no mundo, de interrogar esta estada no mundo ainda que de forma sutil e delicada. Esta maneira poética e lúdica de tratar temas que doem no corpo, na carne, é o desafio do grupo.  
 
Durante as conversas ouvimos espectadores ávidos para procurar o sentido nas emoções e sentimentos que Socorro fez aflorar, buscando confirmação  para suas inquietações. Nas relações criadas entre cada espectador para o que ali se apresentou, podemos encontrar pontos em comum e de maneira geral fica um silencio um momento de suspensão do tempo real, criando um tempo do olhar. Um tempo de-vagar pela cena. O espectador sente que faz parte das metáforas que ali se apresentam e se identifica ora com o boneco, ora com o humano.
Também aparece de forma clara a compreensão de que nenhum dos elementos que fazem parte da cena intervém como centro da articulação, senão que a composição se sustenta para ilustrar o olhar sobre o humano. Portanto a presença de um elemento reclama, exige a presença do outro.  O recurso associativo imprime no olhar do espectador a compreensão sobre o todo, é na justaposição das camadas metafóricas que o contraste entre os elementos elegidos serve para dilatar os sentidos.
Por fim, outra questão que surgiu com frequência é quanto ao vocabulário e gramática de movimentos que se apresenta em Socorro. Fica evidente certa curiosidade do espectador quanto à origem da movimentação e uma estranheza por se diferenciar de uma concepção de dança mais tradicional, por serem movimentos não usuais. Na concepção de Socorro e no processo de criação e seleção do repertório de movimentos originados de improvisações, sempre estruturadas por estímulos, existe um trabalho meticuloso de escolha, de manipulação e de articulação deste material.   O que podemos definir, após quatro montagens (Movimento para 6 - 2006, Socorro - 2008, Cuida de mim e Lugar nenhum – 2010), como um procedimento do grupo, uma forma de trabalhar que faz parte de nossos processos de criação e consequentemente como uma estética própria que começa a se configurar.  Pode se dizer que é o que nos define.

*O projeto Socorro circulação, contemplado pelo Prêmio Funarte de Dança Klaus Vianna 2010, propôs apresentações do espetáculo de dança Socorro na região centro-oeste do país – Cuiabá/MT, Gama/DF, Goiânia/GO e Campo Grande/MS.
O Ronda Grupo promoveu neste período de circulação intercâmbios com bailarinos, dançarinos, companhias, academias de dança, estudantes das Artes Cênicas e demais interessados. Em cada uma das cidades, após a primeira apresentação, também aconteceu uma conversa para a troca de informações sobre o processo de criação do trabalho, os meios de pesquisa utilizados e o encontro entre a dança e o teatro de formas animadas, oferecendo caminhos para possíveis pesquisas na área.
A oficina “Improvisação e Criação em Dança”, com 03 horas de duração, também foi oferecida gratuitamente em cada cidade. Conceitos como dramaturgia, fluxo, espaço entre, foram abordados e vivenciados por meio de exercícios de improvisação, no trabalho para desenvolver um corpo alerta e inteligente.


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