sexta-feira, 29 de abril de 2011

A REFORMA DA LEI DE DIREITO AUTORAL - Por Guilherme Coutinho


Durante o governo Lula, o Ministério da Cultura ganhou enorme importância, a partir da nomeação de Gilberto Gil como ministro. O músico não só trouxe mais holofotes ao MinC, como tratou de trazer novos temas para a agenda cultural do país, prática continuada pelo seu sucessor Juca Ferreira. Destaca-se o tema que trataremos aqui: uma mudança na forma de enxergar o direito autoral.
O Creative Commons (CC), que possibilita licenciamentos gerais, onde o autor determina os casos em que sua obra pode ser livremente utilizada por qualquer pessoa, foi adotado pelo ministério em seu site e estimulado pelo cantor/ministro. É importante lembrar que este tipo de licenciamento é baseado na própria ideia de direito autoral, não sendo contrário a este, apenas criando novas possibilidades mais compatíveis com a atual realidade de livre acesso à informação.
O governo foi mais além e criou ainda um Fórum para discutir o tema. Foram realizadas mais de 150 reuniões em todo o país, 9 seminários nacionais e internacionais, inclusive em Florianópolis, nos quais o GEDAI (Grupo de Estudos em direito Autoral e Informação da UFSC), do qual faço parte, participou ativamente. Ao final, foi colocada em consulta pública uma proposta para revisão da Lei nº 9.610/1998, que regula os Direitos Autorais. A consulta ocorreu em uma plataforma pública na internet, com 7863 contribuições, em que todos podiam ler os comentários feitos, o que possibilitava uma discussão de fato sobre os tópicos e maior transparência de consulta pública através da internet que receberam. A partir da discussão foi formulado um novo anteprojeto, que seguiu para a Casa Civil e foi devolvido ao Minc no início da nova gestão.
A necessidade de revisão da lei pode ser exemplificada por recente estudo da Consumers International (órgão internacional de defesa dos direitos dos consumidores) que aponta a legislação brasileira como a 4a. mais restritiva do mundo em relação ao acesso aos produtos e serviços culturais. Isso acaba resultando em um total descumprimento da lei pela grande maioria da população. Práticas como copiar um CD (mesmo que adquirido legalmente) para o computador, ou tirar cópia de um livro completo para poder riscar ou emprestar para um amigo são ilegais. Os casos em que uma obra pode ser livremente utilizada são muito poucos. Mesmo usos de obras pra fim didáticos é bastante restringida.
Ana de Hollanda foi nomeada como a nova ministra de cultura do governo Dilma, o que ocasionou grandes dúvidas acerca da esperada continuidade na política do ministério. A nova ministra, logo após assumir o cargo e mesmo antes de nomear a diretoria de Direitos Intelectuais (DDI), determinou a retirada do selo indicativo do CC no site do Minc. A atitude foi acompanhada de uma simples nota, sem maiores comentários ou informações sobre como ficariam os licenciamentos do material já divulgado. Causou espanto também a divulgação no próprio site do MinC de encontro oficial da ministra com Hildebrando Pontes, advogado do ECAD de Minas Gerais, logo no início do mandato. A escolha de Marcia Regina Barbosa, que já escreveu, trabalhou e é coautora de livro com Hildebrando, que admitiu ter sido sondado para o cargo, foi muito questionável. A própria ministra já fez diversas declarações favoráveis à entidade encarregada de arrecadar e distribuir direitos autorais de músicas. A questão é que um dos pontos abordados na discussão da nova lei é justamente a supervisão do ECAD, órgão que recentemente repassou quase R$ 130 mil para um falsário que se disse autor de trilhas sonoras de filmes na verdade compostas por nomes Sérgio Ricardo e Caetano Veloso.
Quem trabalha com produção cultural já está acostumado com as práticas intimidadoras utilizadas pelo órgão, que ameaça o cancelamento de eventos e utiliza o recurso judicial com frequência. Os métodos de cálculo sobre os valores supostamente devidos são criados pelo próprio órgão (ou associações que o compõem) e são bastante confusos. Artistas independentes por vezes têm que pagar par poder executar suas próprias músicas, eventos educativos, religiosos ou de caridade também não são isentos do pagamento.
Neste novo contexto, em que percebe-se uma mudança na política cultural do país mesmo em um suposto governo de continuidade, abre-se outra consulta sobre a revisão do anteprojeto, sob a alegação de que novos debates eram necessários. Porém, desta vez, o processo não utilizará de plataforma pública. É exigido que as manifestações sejam feitas por e-mail em formulário próprio do MinC, feito em documento do Word da Microsoft, programa proprietário. Tudo isso na contramão das políticas do próprio governo de incentivar o uso de softwares abertos e gratuitos.
Cabe aos artistas, produtores culturais e público em geral ficarem atentos e expressarem sua opinião, pois o tema tem reflexos diretos em todos.
Por Guilherme Coutinho | Advogado | Músico
www.califaliza.com.br

segunda-feira, 18 de abril de 2011

E quando a gente desacredita? - Por Ariela Grubert



Comecei este texto já algumas vezes, e nenhuma consegui avançar pelo simples motivo que um final otimista me parecia impossível. Quis falar sobre políticas culturais, um tema que envolve e afeta diretamente não só quem trabalha com cultura, mas a quem ela é destinada também. Pesquisei mais a fundo sobre o que está acontecendo no Brasil no momento, e o que era para ser um texto simples já estava virando uma monografia, então tentei focar. No caso de Santa Catarina, por exemplo - que é onde eu vivo e tento (algumas vezes sem sucesso, mas nunca em vão) sobreviver de produção cultural; pode-se perceber que até hoje não houve uma continuidade mesmo no conceito de cultura de cada governo – que é a premissa para que as políticas culturais façam sentido e tenham efeito, que funcionem.  Uns a conceituam como algo inerente ao ser humano, desde seu comportamento e seus hábitos até a produção artística, como uma maneira de criar ou reforçar a identidade de uma população. Outros a vêem como instrumento para divulgar o Estado através de feiras e eventos. Por fim, outros não tem nem idéia do que vem a ser cultura e acabam juntando com turismo, esporte e lazer.
Em 1987, com o governo de Pedro Ivo/Maldaner, o conceito de cultura era antropológico, o que resulta num comportamento “democrático pluralista”. Ou seja: desenvolve políticas com uma orientação aberta às manifestações culturais mais variadas, baseadas “no princípio de que a cultura é uma força social de interesse coletivo que não pode ficar à mercê das disposições ocasionais do mercado [...]. Não privilegia modelos previamente determinados [...] e tem no Estado e em suas instituições culturais públicas e semipúblicas seus principais agentes.” (COELHO, 2004, p. 299). O Plano deste governo dividia o setor cultural em quatro eixos: Produção, Difusão, Consumo e Administração. A produção aparece como o fomentador do desenvolvimento de produtos culturais que exaltem a identidade cultural catarinense.
Já o governo de Kleinubing/Konder Reis (1991/1994) apresenta um conceito de cultura mais sociológico, incluindo a música, a literatura, as artes plásticas, o patrimônio histórico (museus, monumentos, edificações, sítios arqueológicos), as artes cênicas (teatro, circo, dança) e as artes  visuais (cinema, televisão, fotografia), e o Plano espelha-se em modelos internacionais, que vinculam a arte/cultura ao crescimento econômico, incentivando o turismo, a chegada de novas empresas e o tão especulado atualmente, mercado imobiliário. Exemplo: Oktoberfest.
Em 1995, na gestão Paulo Afonso/Hulse, o objetivo cultural é preservar, incentivar, valorizar e divulgar o que é produzido no Estado. Algumas ações deste governo: lançamento do projeto Cultura Viva (cultura em prol da cidadania e do desenvolvimento da qualidade de vida), editais que financiavam os setores da cultura, Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Porém, as artes mais consagradas parecem ter tido maior apoio do que as manifestações mais populares. No governo de Esperidião Amin (1999-2002) , continua o objetivo de preservar a identidade cultural catarinense, com o resgate de tradições e do folclore. Exemplo: Festa das Etnias, que, segundo o vice-governador Paulo Bauer, objetivava “contribuir para a afirmação da verdadeira `gente Catarina` que somos e seremos cada vez mais” (BAUER, 2000).
De 2002 até 2010, Santa Catarina foi governada por Luiz Henrique da Silveira, e quando você procura por “políticas culturais” dessa gestão, acaba ouvindo barulho de grilo ao fundo. LH falou de internacionalização da cultura catarinense, e isso para ele deve ter sido realizado com a chegada do Bolshoi em Joinville. Nessa gestão, houve a unificação de secretarias, criando a Secretaria de Turismo, Cultura, Esporte. Também foi nessa gestão que o CIC entrou em reforma - o que deveria ser uma fato positivo, afinal muitas exposições não vieram para o Estado por que o MASC estava repleto de goteiras, como bem retrata Ligia Gastaldi no texto “A novela do CIC”* . Além disso, ainda teve o vergonhoso atraso na entrega da verba destinada aos contemplados do edital Elizabeth Anderle, entre outros “casos de descaso” que envolvem não só o Governo do Estado, mas também a prefeitura de Florianópolis
 Pensando nisso tudo, o próximo passo é desacreditar num futuro promissor para quem vive de cultura? Calma, tem o outro lado, onde não se deve depender somente do Estado para viabilizar os projetos e é aí que eu começo a acreditar novamente. Acredito em iniciativas como o projeto Clube da Luta, como a Célula Cultural – que teve sua reinauguração na última sexta (15/4) e é um espaço pioneiro que deve ser valorizado porque também valoriza a produção local e tem estrutura para crescer ainda mais, sem depender de governo nenhum senão o de si próprio. Outras iniciativas que conseguem andar com as próprias pernas são a Galeria COR, na Lagoa da Conceição, a escola de música Rafael Bastos, a produtora Harmônica - que mesmo nos eventos corporativos que realiza, inclui bandas e artistas locais na programação. O Transitoriamente do Antônio Rossa, a Vinil Filmes  (assista “Matou o cinema e foi ao governador”), o Mago Realizações, a Insecta, entre outros tantos que andam de fato produzindo cultura mesmo que muitas vezes em condições adversas. São iniciativas como essas que movimentam o cenário artistico de nosso estado, e nos proporcionam reflexões críticas acerca de assuntos tão polêmicos como este. Comecei o texto com a preocupação de não haver a possibilidade de um final otimista, mas a verdade é que não existe um final, e sim diversos caminhos que podem ser explorados, incluindo ou não o poder público, usando principalmente o poder da iniciativa e persistência que levam os projetos culturais à sua realização.
Por Ariela Grubert |produtora cultural | amg produções
*http://harmonicaarte.blogspot.com/2011/04/novela-do-cic.html#links

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Produção Cultural é assunto para "profissionais"!

Você público: já foi a um show com infra estrutura precária? Já esperou um evento começar por horas? Ou mesmo, já foi em algum show que não entregou o que prometeu? E Você artista? Já foi contratado para um evento que não te ofereceu a infra estrutura necessária e acordada? Já foi envolvido em atrasos que não estavam programados? Já deixou de receber teu cachê?

Se você esteve em qualquer um dos lados certamente você foi vitima de um produtor amador que definitivamente não sabe o que é produzir um evento cultural.

É muito comum ouvirmos perguntas como “o que é um produtor cultural e o que ele faz” visto que este é um fazer que se constituiu como profissão recentemente. No Brasil, foi somente na década de 60 que a palavra produção no contexto da cultura começou a tomar corpo e criar forma. A profissionalização do produtor até então dava-se pela prática, principalmente no Brasil, pois o aparecimento de cursos específicos data da década de 80, necessidade que surgiu junto com a criação das leis de incentivo.
“Varias foram as gerações de empreendedores culturais que se formaram intuitivamente, apreendendo com erros e acertos. Até bem pouco tempo, a prática era a única via de aprendizado para aqueles que pretendiam abraçar a profissão. O conhecimento acumulado era transmitido aos iniciantes no calor da realização dos projetos, o que equivale a qualquer coisa como aprender a pilotar com o avião em pleno vôo.”
O trecho acima é do livro “ O Avesso da Cena, Notas sobre Produção e Gestão Cultural” do administrador cultural Rômulo Avelar, suas palavras traduzem bem o atual cenário da industria cultural: uma latente reflexão sobre o processo formativo do profissional de cultura.
Como ainda não é uma profissão regularizada, a falta de formação e experiência acaba abrindo precedente pra que qualquer figura se intitule produtor ou gestor cultural, alguns motivados pela necessidade, outros pela falta opção, e outros pela ilusão de que existe glamour. Garanto a vocês, ser produtor é muito mais transpiração do que inspiração.

Independentemente do tipo de produtor cultural, seja ele teatral, cinematográfico, musical ou alguém que organiza um evento de outro caráter, parte-se da premissa de que esta figura é fundamental e indispensável na realização e manutenção de um projeto ou idéia.
 Richard James Burgess, produtor musical americano com larga experiência em produzir bandas como os Beatles e U2, afirma que a principal característica do produtor é a sua iniciativa, além de sua capacidade de elaborar alternativas e de seu planejamento.
Por falar em inovar, o Consultor Waldez Ludwig diz que nós vivemos numa economia baseada em conhecimento e que o único fator de competitividade que importa no mercado é a capacidade de inovar.
O produtor cultural trabalha em uma área muito ampla. Ele assume a interface entre a criação artística e a disseminação do bem artístico cultural. Precisa estar apto para lidar com planejamento, produção, organização, divulgação, pesquisa, promoção, registro dos trabalhos executados, controle de receitas e custos operacionais, captação de verbas, formatação de projetos e parcerias com iniciativas públicas e privadas. É também aquele que defende os interesses de quem produz a atividade cultural, podendo ser o artista, entidade cultural ou uma empresa.
Independentemente do nome atribuído a esta função, seja ela produtores, agentes, empresários culturais, todos eles buscam o mesmo fim, uns por necessidade e outros por vocação. Mas ao menos deve haver características comuns a todos, tais como liderança, persistência, criatividade e ética, além da necessidade de estar sempre informado, atualizado e principalmente ter respeito pela produção artística.  Este profissional deverá também estar apto a incorporar ao seu trabalho uma reflexão crítica acerca da produção da cultura no país, estimulando e contribuindo para a promoção de novos espaços e potencialidades criativas e expressivas no cenário cultural brasileiro.
Sua atuação responsável e comprometida, aliada a políticas culturais públicas consistentes e programas de financiamento acessíveis, pode se tornar um caminho promissor para o fomento à produção e criação artística, assim como na construção de uma sociedade mais justa no que diz respeito à distribuição e democratização do acesso ao bem cultural.

O mercado exige cada vez mais a profissionalização dos produtores. Seja por formação ou por responsabilidades. Mas é fato que amadores finalmente estão perdendo seu espaço!

Por Paula Borges e Heitor Lins
Colaboração: Ligia Gastaldi

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A novela do CIC - Por Ligia Gastaldi


Esta semana o Governo de Santa Catarina entregou as salas das oficinas do CIC. Só para lembrar: há dois anos o Centro Integrado de Cultura foi fechado para uma reforma geral. Desde então cinema, teatro, oficinas, pararam de funcionar. Milhões de reais já foram para essa obra regada a muita polêmica.
Segundo o Presidente da Fundação Catarinense de Cultura, Joceli de Souza, em entrevista para a TVCOM, a verdade é que "vários setores do CIC foram fechados antes mesmo da licitação para obras e isso foi um erro". Entre os setores fechados sem licitação estão o teatro e o cinema. E aí eu pergunto: se nem licitação tinha por que fechar? Pior, por que desmontar todo o teatro e transformá-lo em depósito de entulhos? A única resposta é "foi um erro". 

Para nós amantes da cultura esse erro tirou de cena o único teatro decente para shows maiores e um cinema que tinha uma bela programação. O pior é pensar que licitação para o teatro e o cinema sequer foi aberta e segundo  Joceli,  "após a homologação da licitação, demora ainda, pelo menos, 12 meses para o Teatro ter andamento das obras". Cá entre nós, a gente sabe que se admitem 12 meses a verdade é que vai demorar muito mais. Portanto, até 2012 nada de teatro.
Enquanto isso os produtores locais usam outros espaços para shows que deveriam ter como sede um bom teatro. Nossos dois outros teatros, o Álvaro de Carvalho e o Teatro Pedro Ivo Campos, são pequenos, o que inviabiliza muitos shows.
Lamentável.

Quem passa pelo CIC hoje vê o estacionamento abandonado e acessos cheios de lama.

  

Ou seja, essa entrega de salas de oficinas me parece mais uma atitude política do tipo: "ó estamos resolvendo" do que realmente a solução. Vamos entregar qualquer coisa que as críticas vão amenizar. Não meus senhores, não ameniza não. E ainda bem que há cobrança porque caso contrário correríamos o imenso risco de o CIC ficar abandonado de vez.
Torço para que a licitação do teatro e do cinema saiam logo. Torço para que tomem vergonha na cara e tenham mais respeito pelo patrimônio público.
Mas o que fica mesmo hoje é que esta atitude de irresponsabilidade e incompetência nada mais é do que o retrato da falta de interesse dos nossos governantes pela cultura.
E isso sim me deixa de luto.

Ligia Gastaldi
Jornalista